Vamos falar sobre foodtechs? E como está o Brasil nesse cenário?

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Comecei a pesquisar sobre foodtechs, e vi que as informações e dados do setor em português e inglês estão bem espalhadas em diversas fontes e mídias. Então por aqui vou fazer um resumo do cenário atual no Brasil e no mundo, a partir de tudo o que estudei.

Esclarecendo conceito de foodtech, é a junção de alimentos (food) e tecnologia (tech), ou seja, empresas que pensam na aplicação e uso da tecnologia para melhorar a agricultura e a produção e alimentos, sua cadeia, os canais de distribuição e o consumo (conceito da Sweden Foodtech). Aqui falaremos mais das startups e empresas que estão gerando inovação no setor alimentício, mas sabemos que muitas grandes e conceituadas indústrias também são responsáveis por novas práticas e tecnologias neste segmento. A ideia não é discursar somente sobre aplicativos e robôs que já estão nos chãos de fábrica, e que muito em breve estarão na sua cozinha ou no seu restaurante preferido. Vou contextualizar um panorama das empresas que estão revolucionando o setor, os países que estão se destacando nesse mercado, e em como o Brasil está se posicionando entre as foodtechs.

Não poderia iniciar de outra forma, senão falando da importância desse setor em números:

  • As foodtechs estão entre as novas estrelas ascendentes no mercado global de tecnologia. A previsão da Research and Markets é de um mercado global de US$ 250,4 bilhões até 2022.
  • Até 2050, seremos 9,6 bilhões de habitantes no planeta, precisando portanto de quase 30 bilhões de refeições por dia (de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a FAO). Isso já dá uma ideia do tamanho do mercado que estamos falando. Ou seja, a produção mundial de alimentos deverá crescer cerca de 70% para conseguir acompanhar o crescimento da população mundial, o que exigiria dobrar o desmatamento e levaria, por conta da pecuária, a um crescimento de 77% na emissão de gases geradores do efeito estufa. É uma conta que não fecha.
  • No mundo, desperdiçamos um terço de tudo o que é produzido: nas fazendas, na fábrica, no mercado e nas nossas casas. É comida demais que vai pro lixo, quando ainda temos quase 1 bilhão de pessoas que ainda passam fome no nosso planeta.

Os alimentos do futuro estão surgindo a partir da necessidade de prover comida a todo mundo, utilizando menos recursos naturais, e com o objetivo de tornar alimentos saudáveis interessantes e amigáveis ao paladar de todos. Esse desafio exige que toda a cadeia ofereça meios de produção e consumo mais sustentáveis. Isso faz das foodtechs não só um nicho, mas uma necessidade para resolver um problema mundial nessa proporção.

Sobre o Brasil, citarei alguns dados para contextualizar:

  • O Brasil está entre os maiores produtores e exportadores de grãos e carne do mundo.
  • O país é uma das dez nações que mais desperdiçam alimentos no mundo.
  • As dez multinacionais, nas mãos das quais concentra-se o mercado de alimentos, estão presentes no país.
  • Mais de 50% da balança comercial brasileira vêm do segmento de alimentos.
  • Somos o 4º maior mercado mundial de alimentos e bebidas saudáveis.
  • O país tem hoje 11 unicórnios (empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão), sendo 1 deles uma foodtech, o Ifood, do grupo Movili.
  • Temos 1.125 foodtechs mapeadas no ecossistema brasileiro. Mais de 50% do investimento em startups brasileiras foi em foodtechs em 2018 — US$ 700 milhões em 25 empresas (segundo a Finistere Ventures), sendo que US$ 500 milhões foram somente para o Ifood, e o restante, em maior volume, em Agrtechs (ligadas ao agronegócio). A maioria delas ainda está em um estágio inicial, e precisamos investir mais para que elas atinjam um nível de maturidade que as permita escalar e fazer negócios com grandes empresas.
  • Este setor movimenta mais de R$ 2 trilhões por ano (agro, varejo, foodservice e indústria), segundo a ABIA — Associação Brasileira da Indústria de Alimentos.

Realmente, o Brasil é um mercado promissor dada sua escala e representatividade, mas ainda temos pouco investimento nas startups do país — percentual de investimento (venture capital) versus PIB é de apenas 0,04% (US$ 900 milhões), contra 0,43% (US$ 84,2 bilhões) dos Estados Unidos, por exemplo (dados de 2017). Claro que isso depende de questões macro econômicas mais favoráveis, além da maturidade das empresas e de um ecossistema mais organizado.

Em um ambiente global, o panorama das foodtechs mostra dados animadores:

  • Mais de US$ 17 bilhões foram investidos em mais de 1.400 foodtechs no mundo em 2018.
  • Há mais de 100 entidades de fomento (incubadoras, aceleradoras, hubs de inovação) dedicadas a este segmento.
  • O mercado de foodtechs deve atingir um valor global de US$ 240 bilhões em 2022.
  • Entre os países que se destacam neste setor, estão os Estados Unidos, com 567 investimentos em 2018, totalizando US$ 7,9 bilhões, sendo a vanguarda tanto em volume de empresas quanto em montante investido. Desse total, cerca de US$ 1,5 bilhão foram investidos em alimentos e bebidas inovadores. O destaque é para o investimento de grandes empresas, como, por exemplo, Disney, Kraft e Danone, com inovações em novas formas de alimentação. Até a mais antiga fazenda de laticínios da Califórnia está produzindo amêndoas para fabricar somente leite vegetal, um mercado que movimenta US$ 1,8 bilhão no país, já respondendo por 13% do mercado de leite americano.
  • O mercado europeu investiu US$ 1,6 bilhão em 421 foodtechs em 2018, sendo US$ 76 milhões em alimentos e bebidas inovadores. Além disso, o continente é referência em entidades apoiadoras desse ecossistema (Foodvalley, Nutrition Hub, StartLife, entre outros).
  • Na Ásia, se destacam a China, com US$ 3,5 bilhões investidos em 184 foodtechs, e a Índia com US$ 2,4 bilhões investidos em 2018 — sendo US$ 1 bilhão na Swiggy (negócio similar ao Ifood). Houve 11 negócios acima de US$ 200 milhões na China e na Índia (contra 8 empresas nos Estados Unidos). Destaque para a formação do Food Tech Hub na China com investimentos de grandes companhias (como Coca Cola e Danone), junto ao incentivo do governo do país. Além destes, Singapura desponta como o hub de ‘agrifoodtech’ da Ásia, e Israel, apesar de pequeno, teve US$ 186 milhões investidos e mais de 700 foodtechs. O país fez negócios com grandes corporações como McDonalds, Mars e PepsiCo, e grande parte do investimento vem do próprio governo. O destaque vai para o The Kitchen -Foodtech Hub, grande referência como espaço em inovação deste setor no mundo, que investe US$ 700 mil em cada startup aceita no programa.

Destaques de tendências e foodtechs mundo afora:

  • Novos alimentos: O mais famoso deles é a carne a base de plantas, ou seja, um agregado que imita textura e sabor de carne, feito de vegetais. No Brasil temos a Fazenda Futuro, e, no mundo, suas precursoras americanas, a Beyond Meat (que tem hoje entre seus acionistas ninguém menos que Bill Gates e Leonardo di Caprio) e a Impossible Food, que fornece hambúrgues a toda rede Burguer King. A carne de laboratório utiliza 100 vezes menos terra e 5,5 vezes menos água, o que por si só já justifica o interesse na sua produção. Outros destaques vão para as proteínas de insetos (já encontrados em formato de farinhas; são proteína pura e de fonte abundante — 2 mil insetos são “aptos” para nossa alimentação; a Ikea já tem um hambúrguer com larva de escaravelho na sua composição e a americana Aspire concentra-se na produção de grilos), as comidas com cannabis (a base de canabidiol, como a americana Caliba que se associou à Zola para fazer bebidas com o ativo; aconselho também ver a série Rotten, com o episódio Maconha Comestível falando desse promissor nicho), a versão plant based do ovo (um pó para mistura em receitas fabricado pela N.Ovo, brasileira), comidas ‘impressas’ em 3D ou 4D (a Barilla já testou massas para rechear personalizadas por chefs, e impressoras de alimentos – a Foodini, da Natural Machines ou a 3D Systems ChefJet), comidas em cápsulas (como o projeto “Just Add Water”, inspirado na gastronomia molecular, onde as pílulas trazem sabores, temperos e nutrientes condensados e preparam refeições em uma máquina) e até atum em lata vegano (lançado recentemente pela Good Catch, americana).
  • Alimentos ‘personalizados’: fabricados em impressoras 3D a partir de um sistema de Inteligência Artificial que cruza diversos dados coletados a partir da análise do seu DNA e de outros exames de saúde associados ao seu estilo de vida, identificando carências nutricionais e preparando uma receita personalizada para suprir suas necessidades, evitando ingredientes desaconselhados à sua saúde. A startup americana Habitrecorre à genética para desenhar a refeição ideal para cada cliente, a partir da coleta de exames e um questionário com vários indicadores (peso, altura, medidas) e de seus hábitos de vida. A partir desta análise, o cliente recebe um plano de dieta mais indicado ao seu perfil. A israelense Nutrino também tem um negócio semelhante.
  • Eletrodomésticos inteligentes: a geladeira que avisa o que falta de acordo com seu consumo habitual, e faz as compras pela internet por você, forno, cafeteira e outros aparelhos que preparam os alimentos para que estejam prontos quando o consumidor quiser (já pensou a janta prontinha quando você chega em casa?), eletrodomésticos que farão recomendações do que comer com base na sua dieta e dos ingredientes disponíveis na dispensa ou na geladeira, e até robôs capazes de fazer receitas (como no restaurante americano Spyce, em que os robôs preparam comida personalizada em 3 minutos, o japonês Robot Restaurant de sushis, o bar de drinks nos Estados Unidos chamado Makr Shakr, e até um exemplo gaúcho, o Bionicook, fastfoodtodo feito e servido por robôs). Além disso, você poderá fazer em casa sua própria cerveja com o mesmo conceito das cápsulas de café – com aLG HomeBrew os consumidores poderão produzir até cinco tipos diferentes da bebida. Essas inteligências artificiais já estão em teste – só nos resta aguardar.
  • Superfoods: São os super alimentos, assim chamados por possuírem uma elevada densidade nutricional e funcionais. São, em sua maioria, alimentos naturais tradicionais de diversas regiões do mundo. E aqui se preza a produção orgânica, sem aditivos químicos ou insumos que reduzam sua potência alimentar. Todas as gerações de consumidores estão preocupados com sua saúde (que por consequência, melhora a estética), e todas as pesquisas atuais destacam a importância de uma alimentação saudável no combate à doenças, atuação anti envelhecimento e na melhora da qualidade de vida em geral. São nutrientes que podem ser encontrados em alimentos na natureza (legumes, frutas, algas), mas essa categoria nas foodtechs é destacada por suplementos em pó ou cápsulas, que aliados a uma alimentação correta, trazem inúmeros benefícios para a saúde. Desde o whey protein(proteína isolada em pó, de diferentes fontes), passando por algas, shakes, compostos isolados de frutas e chás, esse é um segmento cujo consumo cresce a cada dia em larga escala. Além de serem funcionais, a praticidade de seu consumo é o ponto alto das empresas que investem em superfoods. Destaque para a brasileira Pura Vida, focada nas classes A e B, e para o setor de kombuchas, bebidas probióticas fermentadas a partir do chá, que já têm 60 empresas fabricantes no Brasil (destaque para a maior indústria brasileira, a gaúcha TAO), e que movimentaram um mercado de mais de US$ 1 bilhão anuais nos Estados Unidos, e cerca de R$ 20 milhões no Brasil em 2018.
  • Alimentos alternativos: Alternativas mais saudáveis ao açúcar (por exemplo, açúcar de coco, que contém baixo índice glicêmico), à farinha de trigo (substituída pela farinha de banana, coco, castanhas ou grão de bico), aos refrigerantes (vide kombucha no ponto acima), versões plant based de carnes, linguiças, etc (como a paulista NoBones, açougue de ‘carnes’ veganas), água com sabor de cerveja (da japonesa Kuos) e versão sem glúten ou lactose dos alimentos tradicionalmente produzidos (pães, bolos, biscoitos, doces, pizzas). Este é um mercado que movimenta US$ 35 bilhões por ano e promete crescer em torno de 40% até 2022, de acordo com agência internacional Euromonitor. É um segmento não só dominado por startups ou pequenas empresas — as grandes indústrias já possuem alternativas e querem entrar na briga por esse nicho de mercado tão valioso. Destacando algumas foodtechs brasileiras desse ramo, temos a OneMarket, uma plataforma de clubes de assinatura de caixas para quem têm alimentação saudável ou restritiva (com opções de comidas sem glúten, sem açúcar, sem lactose e veganas) e a Snack Saudável, rede que prepara lanches com “comida de verdade” para crianças. No mundo, temos o exemplo da americana Nature Box, de snacks saudáveis.
  • Embalagens compostáveis: Sabendo que 8 milhões de toneladas de resíduos plásticos vão parar nos oceanos todos os anos, e que o apelo aos deliveries está em plena ascensão, não podemos deixar de pensar, também, na entrega final com mais sustentabilidade e reduzindo danos ambientais. E não confunda com ‘biodeagradável’, que não são a melhor resposta para solucionar esse grande problema do lixo que geramos. O plástico para embalagens de alimentos e bebidas é responsável por dois terços dos resíduos de plástico do mundo! O destaque vai para a americana Zume, cujas embalagens compostáveis são pensadas para cada alimento (a PizzaHut é um de seus clientes em teste), de forma inteligente, para que a refeição chegue nas condições necessárias durante seu transporte até o consumidor final. Ainda há a Tipa, empresa israelense, que desenvolveu um novo plástico que pode ser descartado junto com os resíduos orgânicos e se decompõe em 6 meses. Dentro das ideias desse negócio, vemos a utilização de matérias primas compostáveis como cana de açúcar (Biocycle e Solupack, brasileiras, e Avani Eco, indonésia, para citar algumas), amido de milho (eeCoo, brasileira), mandioca (Oka Biotecnologia, brasileira) e até caseína, uma proteína do leite que está em testes nos Estados Unidos para substituir o famoso filme plástico tão usado para proteger os alimentos.
  • Praticidade: A última e maior tendência. Muitas das foodtechsapresentadas acima entram nesse mercado. Aqui falamos de comidas prontas nas prateleiras do mercado, em kits para você fazer em casa, comida pronta (como as brasileiras LiveUp, entrega de comidas saudáveis, que recebeu investimento de R$ 90 milhões, e a Saladorama, entrega de saladas a preços acessíveis em comunidades) ou nas tradicionais entregas a domicílio (vide Ifood, nosso unicórnio brasileiro, e a Uber Eats, que já é um dos maiores serviços de entrega do mundo, ou a Foodpanda, empresa alemã presente em 12 países). Há ainda, empresas como a Kitchensurfing ou a Feastly, onde você contrata um chef profissional para cozinhar na sua casa. No setor de assinaturas, temos vinho (como as brasileiras WineBox e Evino ou a Wineist, da Eslovênia), lanches saudáveis (como os exemplos do ponto cima), cervejas (Clube do Malte), orgânicos (como a Raizs e Clube Orgânico), queijos (oferecidos pela empresa Caixa Colonial) e até de comida para cães (Box Petiko é uma delas). Como o setor de alimentos é vasto, nesta categoria estão incluídos ainda os kits para fazer sua própria horta em casa, com passo a passo e todos os materiais necessários, usando tecnologia inovadora, como a americana Sproutsio. Empresas como a Noocity, que vende módulos para plantação em casas e apartamentos, e o clube de assinaturas de sementes da Isla Sementes, são alguns destaques no Brasil.

É claro que o mundo da inovação e das startups sempre mostra algumas tendências que são ou serão relevantes — Fintechs (serviços financeiros), Legaltechs (serviços jurídicos) e até Weedechs (inovação na indústria da maconha), mas as Foodtechs não são uma moda passageira. Se as empresas nascem para resolver um problema do mundo, o setor de alimentação tem muitas questões a serem sanadas e é um mercado extremamente promissor. Espero ter ajudado com essa pesquisa!

Fontes de pesquisa:

  • Inovabra: Palestra sobre tendências no segmento de alimentos e bebidas, em 25/11/2019.
  • Foodtech Movement
  • Foodsafety Brasil
  • Radar Agtech
  • Associação Brasileira da Indústria de Alimentos — ABIA
  • CB Insights
  • Forbes
  • Pequenas empresas, grandes negócios
  • Proxxima
  • Startup Grind
  • Whole Food Market

Fonte: Medium

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